Thursday, 8 April 2010

POR NÓS MESMOS…

“… A segurança exterior é, obviamente, necessária. Exteriormente, é absolutamente necessário ter um abrigo, um lar, um emprego; mas não nos contentamos com isso. Queremos estar seguros psicologicamente, interiormente; e aí começa a inquietação. Nunca investigamos se há realmente segurança interior, mas dizemos que temos de estar em segurança interiormente, e assim surge a ilusão. A partir desse momento começa toda uma série de conflitos intermináveis.
Temos pois de descobrir, por nós mesmos, a verdade relativamente a este enorme problema, sem dependermos do que outra pessoa diz. Psicologicamente estamos inseguros; por isso criamos deuses e esses deuses tornam-se a nossa «segurança permanente». E isso gera conflitos. Compreendem o que entendemos por conflitos? Queremos referir-nos à contradição, à ação fragmentária, aos pensamentos incoerentes, aos desejos que se opõem entre si, às exigências contraditórias – as pressões do mundo e a exigência interior de viver em paz com o mundo; a necessidade de encontrar algo, além da existência diária, monótona e sem sentido, e o estar-se enredado nessa existência, e desesperado, sem nunca se encontrar solução para esse desespero e para o imenso sofrimento – um sofrimento não apenas pessoal, mas também o sofrimento do mundo. E nunca encontrarmos uma saída para este sofrimento. Tudo isso cria contradição, da qual podemos ou não estar conscientes. E quando a mente está em contradição tem de haver conflito.
E, como é óbvio, a mente que está em conflito não pode avançar; pode prosseguir na ilusão, mas não pode avançar para descobrir se há algo além do tempo, além da medida do homem. Esta é, certamente, a função da (verdadeira) religião (religar). A função da mente religiosa é descobrir o verdadeiro. E a verdade não pode encontrar-se num templo, num livro, por mais antigo que seja. Temos de descobri-la por nós mesmos. Não podemos comprá-la com lágrimas, com orações, com repetições, com rituais – esse caminho leva ao absurdo, à ilusão, ao desequilíbrio psicológico.
Assim, a mente séria tem de estar consciente desse conflito. Com «estar consciente» quero dizer observar, escutar. Escutar, ouvir atentamente é uma arte. Na verdade, escutar um som é uma arte extraordinária. Não sei se já escutaram realmente um som – o som de um pássaro pousado numa árvore, ou o distante buzinar de um carro. Ao escutarem, sem julgar, sem identificar esse ruído com uma determinava ave ou um determinado carro, ou um determinado rádio na casa ao lado, mas ao escutarem apenas, verão – se assim escutarem - como se tornam extraordinariamente sensíveis. A mente torna-se extraordinariamente desperta quando escutamos, simplesmente – sem interpretar o que ouvimos, sem tentar traduzi-lo, sem o identificar com o que já conhecemos – pois tudo isso nos impede de escutar. Se simplesmente escutarmos os nossos pensamentos, as nossas exigências, o desespero em que estamos – sem tentar interpretar, sem traduzir nada, sem tentar fazer alguma coisa em relação a isso – então veremos que a nossa mente se torna espantosamente lúcida.
E só a mente extraordinariamente lúcida, a mente sã – equilibrada, racional, lógica e sem nenhum conflito, consciente ou inconsciente – só essa mente pode ir mais adiante e descobrir, por si própria, se há uma Realidade. Só essa mente é religiosa. E só essa mente é capaz de resolver os problemas deste mundo.
Os problemas do mundo são inumeráveis e estão a multiplicar-se. E se não formos capazes de os resolver logicamente, com equilíbrio, saudavelmente, com a mente livre de todo o conflito, estaremos apenas a criar mais confusão, mais infelicidade para o mundo e para nós mesmos.
Assim, a primeira coisa que cada um tem de aprender, por si, é observar com atenção, escutando todos os murmúrios, todos os medos, ilusões, desesperos, do seu próprio ser. E veremos, então, por nós mesmos – e isso não precisa de provas, nem de «gurus» (nem de papas, nem de pastores, nem de teólogos, nem de padres, nem de filósofos, nem de engenheiros…), nem de livros sagrados (ou profanos) – se há uma Realidade. E nisso há clareza, beleza e aquilo que hoje falta à mente humana – a afeição, o amor.”

In: págs. 30 a 33 de: “O Despertar da Sensibilidade”, de Krishnamurti, da Editorial Estampa, Lisboa, 1992

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