Wednesday, 31 March 2010

Auto-retrato
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão de altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Bocage


Sublinhados e achegas(?) do livro: “Sobre a Verdade” (On Truth), de Krishnamurti, da Editora Cultrix, São Paulo, 2000


(págs. 43)


“… Só quando existe integração é que ocorre libertação da dor…
Enquanto existir o desejo de se livrar da dor, de resistir à dor, de buscar explicações, de evitar, a dor será uma sombra a perseguir-nos incessantemente.
Sendo assim, o que há de importante nesta questão é a forma como cada um de nós reage à dor psicológica – quando estamos consternados, magoados, e assim por diante…”

São muito bem conhecidas as relações entre psicológico e fisiológico e vice-versa. Por exemplo, um temor poderá desencadear uma arritmia, uma queda de açúcar no sangue… Com fortes dores físicas/fisiológicas que podem, por sua vez, aumentar o temor… E, um mal estar físico ocasiona uma situação psicológica difícil, sendo neste caso, p.e., impossível criar, mental e psicologicamente, alguma coisa de jeito. Não podemos pois resumir tudo ao psicológico. Mas, o que também não há absolutamente dúvida alguma é que Krishnamurti é incrível mestre do psicológico, do pensamento, do sentimento!

Pág. 45

“… Mas a dificuldade é, por certo, o fato de que a maioria prefere continuar com os seus hábitos de pensamento e sentimento, com suas tradições, crenças e esperanças. Sem dúvida a mente é feita de tudo isso. E como pode a mente, assim, sentir algo que não seja a sua própria projeção? Sem dúvida ela não pode. Portanto ela só pode compreender o próprio mecanismo e enxergar a verdade das próprias atividades. Se o fizer, em seguida ocorrerá a libertação disso e a experiência sem intermediários…”

Podemos dizer que o gigantesco contributo de Krishnamurti foi/é a descoberta do porquê do conflito, do esforço interior e exterior destruidores, e, a libertação, a integração, a vida plena, com essa descoberta/compreensão.

Pág. 47

“… (nada nem ninguém nos) ajudará a compreender esses problemas, porque eles foram criados por você e por outros iguais a você. E por eles serem criados por você, você não pode compreendê-los sem se compreender a você mesmo; e para compreender a você mesmo, a sua forma de viver, a cada momento, a cada dia, ano após ano, você precisa de INTELIGÊNCIA, de uma grande dose de PERCEPÇÂO, de AMOR e PACIÊNCIA.”

Mas, quando lemos textos como estes, logo duvidamos se faltou alguma coisa no ensino de Krish, pois, por exemplo, a percepção de que ele tanto fala não é de modo algum somente psicológica. E, tão pouco a primeira parte deste parágrafo pode sugerir que Krish. tivesse dúvidas de que a sua mensagem era/é uma altíssima ajuda à nossa compreensão e libertação de todos os problemas: é unicamente mais uma das “suas” grandes verdades/factos, ou seja, de que nem mesmo um incrível e sábio amigo adianta, se não fizermos a nossa parte…

Pág. 49

“… Quando você afirma que precisa seguir alguém, será que isso não implica que a verdade é estacionária, que a verdade está aí para que você seja levado a ela, para que você a veja e agarre?”

A verdade não tem morada fixa, e, é sempre nova a cada momento, como diz K. noutros locais. E, nesta mesma página: “Como experimentarei com espontaneidade algo original se me dizem: «isto é original, experimente».” Isto é, até por definição, se foi original para/de outro, já o não pode ser nosso.

Pág. 50

“… A verdade não nos chega pela autoridade. Ela precisa ser descoberta a cada momento. Não se trata de algo, permanente, duradouro, contínuo (que não mude, suponho)… Isto requer uma grande dose de atenção, uma mente bastante atenta, e você não compreenderá isso nem permitirá que isso chegue a você [ K. vai de seguida afirmar a impossibilidade de chegarmos à Verdade: ela é que vem a nós. Mas, claro, está implícito que nos temos de chegar a ela(e)…] pela mera citação de autoridades ou por especulações acerca da existência ou não de Deus. Você precisará é sentir o que eu digo como indivíduo (eis o implícito), ou melhor, deixar que isso chegue a você. Você com certeza não chegará a isso (?).

Pág. 51

“… Este é o fato fundamental a ser compreendido. Não existe nenhum truque da mente, nenhum controle, nenhuma virtude, nenhuma compulsão, nenhuma forma de supressão que faça a mente chegar à verdade. Tudo o que a mente pode fazer é manter-se quieta…”

E, repete-se, só há um modo da mente ficar quieta: compreensão permanente do funcionamento da mente, do conflito, todos os conflitos nascem na mente e é aí que são eliminados pela COMPREENSÃO deles e do modo como a mente funciona (o conflito resulta de não gostarmos do existente e criarmos o seu ideal irreal oposto, o qual nos esforçamos por vezes incessante e insanamente por atingir). O que não quer dizer que nos transformamos num vegetal, conformistas com mal, pobreza, ignorância, etc. Pelo contrário, PERCEBER é a ação das acções que tudo resolve e melhora!

Pág. 51 ainda:

“… Como eu já disse, eu falo para o indivíduo (in-diviso) porque apenas o indivíduo pode mudar, não a massa (massas); sendo assim, o indivíduo é de uma importância infinita. Eu sei que é moda (isto foi em 1958!) falar


Pág. 52

sobre (e a ) grupos, massa(s), raça(s), como se o indivíduo não tivesse importância alguma; mas em qualquer ação criativa o importante é o indivíduo…”

Isto não que dizer que K. tenha menosprezado os grupos.
Pelo contrário, parece que sempre sobrepôs o indivíduo ao grupo, sendo que, neste aspeto, a situação de hoje terá piorado em relação à de 1958.

“ O indivíduo não pode derrubar a montanha, mas pode estabelecer uma nova corrente de pensamento que criará uma série de ações (indivíduos) originais”.

Efectivamente, a montanha(os grupos ) parecem incapazes de pensar, são até mesmo geralmente inimigos do bom pensamento. E, a nunca esquecer, nem o maior indivíduo consegue “reformar a enorme confusão, a montanha da desintegração” … Pela ação normal “…Mas se qualquer um de nós for verdadeiramente individual no sentido de estar tentando compreender todo o processo da mente, então ele será uma entidade criativa, uma pessoa livre, não condicionada, capaz de perseguir a verdade por si mesma, e não ficar buscando resultados”. (não buscar é encontrar!)




Bocage é muito famoso, não só pela sua poesia, como pelas anedotas, e, por ter “gozado a vida”. Entretanto, no final da vida, escreveu:

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;

Conheço agora já quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura.

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... a santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!

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