Uma pessoa nasce do esforço, vive esforçando-se, morre muitas vezes em esforço e ansiedade.Terá forçosamente de ser assim? Quem não se esforça é mesmo preguiçoso? Haverá maneira de produzirmos sem esforço, sem atrito, sem conflito?
Já mais do que um colega, em momentos de grande tranquilidade até no emprego, mostrou na minha presença sinais de grande preocupação. Haverá algum fundamento para esta preocupação?
“ LONDRES, 23 de ABRIL DE 1952
Krishnamurti: Para a maioria de nós, a vida é toda ela baseada no esforço, em algum tipo de vontade. Somos incapazes de conceber uma ação que não se baseie nisso. A vida social, económica, e a assim chamada vida espiritual não passam de uma série de tentativas, sempre culminando em determinado resultado. Nós acreditamos que o esforço é essencial. Iremos agora descobrir se é possível viver de forma diferente, sem essa batalha constante.
Por que fazemos tentativas? Explicando de uma maneira simples: fazemos isso para alcançar um resultado, atingir a meta, não é mesmo? Sem as tentativas, nós achamos que iremos estagnar (recordo-me da expressão do meu amigo inglês: “ It’s necessary to keep the things on going” – é necessário manter as coisas a andar…). Fazemos uma ideia da meta (esquecendo-nos tanta vez de que a meta é o caminho!), cuja busca se torna a nossa luta incessante; e a luta agora é parte da nossa vida (está, por vezes terrível, por toda a parte). Quando queremos fazer alguma alteração ou promover uma mudança radical (talvez por grande aflição vivida), fazemos esforços tremendos para eliminar antigos hábitos, para resistir às habituais influências do ambiente e assim por diante. Ou seja, acostumamo-nos a essa série de esforços visando atingir ou conseguir algo, visando viver.
Bem, eu pergunto: não é todo este empenho uma atividade da indivividualidade? Não é o empenho uma atividade que gira em torno de nós mesmos? Se fazemos um esforço partindo do núcleo da nossa personalidade, ele por certo provocará mais conflito, confusão e infortúnio. Ainda assim continuamos a fazer tentativa após tentativa; e poucos de nós percebem que a atividade [mesmo a do auto-conhecimento(!), suponho, não é, amigo?] que gira em torno de nós mesmos, ou esse empenho, não soluciona nenhum dos nossos problemas. Ao contrário, só faz aumentar a nossa confusão, nossos infortúnios e dores. Ou sabemos disto, e ainda assim continuamos com a esperança de romper de alguma forma essas tentativas ou atividades, que constituem a ação da vontade?
Este é o nosso problema: será possível qualquer compreensão (sendo compreender, agir) sem empenho? Será possível enxergar o que é real, o que é verdade, sem introduzir a ação da vontade, ação esta essencialmente baseada na individualidade, no “eu”? (Claro que ninguém consegue dizer tudo bem e ao mesmo tempo, e, mesmo Krish. quando muito lido não é o revolucionário que por vezes aparenta ser: p.e., no final do “Voo da Águia” afirma que não resolvemos tudo de uma só vez, pela profunda, intensa observação: isso tem de ser todos os dias, a todo o momento. Como podia ser de outro modo? O mesmo acontecendo possivelmente sobre questões como esta do exercício da vontade ou decisão: a decisão só seria então má quando egoísta). Além disso, sem empenho não haverá o perigo da deterioração, do adormecimento ou da estagnação? Talvez, como eu estou dizendo..."
In: pág. 35 e 36 de: “Sobre a Verdade” (On Truth), de Krishnamurti, da Editora Cultrix, São Paulo, 2000
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