Tuesday, 23 March 2010

VERDADEIRA APRENDIZAGEM

“Será possível observar de perto, sem qualquer distorção? Talvez valha a pena debruçarmo-nos sobre isto. O que é ver? Poderemos olhar para nós próprios, olhar para a realidade básica que é o nosso «eu» - que é avidez, inveja, ansiedade, medo, hipocrisia, ilusão – poderemos olhar tudo isto, sem qualquer distorção?
Será que podemos passar algum tempo… a tentar aprender a olhar? Aprender é um movimento constante, uma constante renovação. Não se trata de “ter aprendido”, e olhar a partir a partir daí. Ao escutarmos aquilo que está a ser dito e ao olharmo-nos um pouco a nós mesmos, aprendemos e experienciamos algo; e a partir desse aprender e desse aprender e desse experienciar é que vamos olhar.
Geralmente, olhamos com a memória daquilo que “aprendemos” e daquilo que experienciamos; com essa lembrança na mente é que olhamos. Portanto isso não é olhar, não é aprender. Aprender implica uma mente que aprende a cada momento, como se fosse sempre pela primeira vez. É uma mente que está sempre inocente para aprender. Tendo isso bem presente, não estamos interessados em cultivar a memória mas, antes, em observar e ver o que realmente acontece. Vamos tentar estar bem despertos, bem atentos, para que aquilo que observamos e aprendemos não se torne em memória, com a qual vamos depois olhar, o que seria já uma distorção. Vamos olhar como se fosse sempre a primeira vez. Olhar, observar aquilo que é, com uma lembrança, significa que a memória comanda, molda ou direciona a nossa observação e, portanto, deforma-a. Podemos prosseguir a partir daqui?
Queremos descobrir o que quer dizer observar. O cientista pode olhar para uma coisa através do seu microscópio e observá-la muito de perto; há um objecto exterior e ele olha para ele sem qualquer preconceito, ainda que com alguns conhecimentos que sejam necessários para a observação. Mas, no nosso caso, estamos a observar a estrutura total, todo o movimento que é viver, o ser inteiro que sou «eu». Isto tem de ser observado não intelectual e emocionalmente e sem qualquer conclusão sobre se está certo ou errado, ou se “isto não deve ser”, ou se “isto deveria ser”. Portanto, antes de podermos olhar intimamente, temos de estar conscientes deste processo de avaliação, de julgamento, de formação de conclusões que acontece e que vai impedir a observação.
Por agora, estamos interessados não no acto de olhar, mas naquilo que está a olhar. Estará o instrumento que olha manchado, distorcido, torturado, condicionado? O importante não é o ver, mas sim a observação de nós mesmos, o instrumento que está a olhar. Se tenho uma conclusão, por exemplo, o nacionalismo, e se observar com esse profundo condicionamento, com esse exclusivismo tribal chamado nacionalismo, obviamente que vou olhar a partir de um enorme preconceito; portanto, não posso ver com clareza. Por outro lado, se estou com medo de olhar, isso obviamente é um olhar distorcido. Ou se ambiciono a “iluminação espiritual”, uma posição social mais alta, ou o que quer que seja, então isso também impede a clareza de percepção. Cada um tem de estar atento a tudo isso, atento ao instrumento que está a olhar e reparar se ele está limpo”

In: págs 182 e 183 de: O Voo da Águia, de Krishnamurti, da Editorial estampa, Lisboa - 2002

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