Tuesday, 14 April 2009

COMPREENDER o prazer

Prazer, bem estar, gozo, alegria e bem aventurança não são coisas diferentes, mas sinónimas, idênticas que nem importa muito definir: felizmente que todos sabemos o que é, que todos(as) já os(as) experimentamos, que todos somos prazer e alegria. É todavia também conhecido que eles(as) se podem transformar em dor, a qual nos pode vir até a dominar. Como evitar este mal, todo o mal?
Vejamos, com Krishnamurti:
"... Estamos, todos nós, empenhados na busca do prazer, nesta ou naquela forma - prazer intelectual, sensual ou cultural; o prazer de reformar, de dizer aos outros o que devem fazer, de atenuar os males da sociedade, de fazer o bem; o prazer de ter conhecimentos mais vastos, maior satisfação física, mais experiências, mais compreensão da vida, de possuir todas as qualidades engenhosas e subtis da mente; e, naturalmente, o prazer supremo: a posse de Deus.
O prazer é a estrutura da sociedade. Da infância à morte, secreta ou ardilosa, ou abertamente, buscamos o prazer. Assim, qualquer que seja a nossa presente forma de prazer, acho que devemos vê-la muito claramente, porque será ela que irá guiar e moldar a nossa vida. Por conseguinte, o importante é que cada um de nós investigue com atenção, cautela e precisão, a questão do prazer, porque achar o prazer e depois nutri-lo e mantê-lo constitui uma necessidade básica da vida e sem ele a existência se torna monótona, estúpida, ensombrada pela solidão e dor e sem nenhum significado.
Perguntareis: "Então por que razão não deve a vida ser guiada pelo prazer?" - Pela razão muito simples de que esse é necessariamente o caminho da dor, da frustração e do sofrimento, e, como resultado do medo da violência e de mais sofrimento. Se desejais viver dessa maneira, vivei; aliás, é o que muitos fazem. Mas, se desejais o prazer sem o sofrimento, deveis compreender a inteira estrutura do prazer e da dor.
Compreender o prazer não significa negá-lo. Não o estamos condenando ou dizendo que é bom ou mau, mas, se o temos de cultivar, façamo-lo de olhos abertos, sabendo que a mente que está sempre a buscar o prazer encontrará inevitavelmente a sua sombra - a dor. As duas coisas não podem ser separadas, embora busquemos o prazer e procuremos evitar a dor.
Ora, por que é que a mente está sempre a exigir prazer? Por que razão fazemos coisas nobres e ignóbeis sempre com esse desejo secreto de prazer? Por que nos sacrificamos e sofremos, sempre pendentes desse ténue fio do prazer? Que é o prazer, e como nasce? Não sei se alguns dentre vós já fizeram a si próprios estas perguntas e foram até às últimas conseqüências das respostas.
O prazer se torna existente em quatro fases: percepção, sensação, contato e desejo. Vejo um belo automóvel, por exemplo; vem em seguida uma sensação, uma reação; depois o toco com as mãos ou imagino tocá-lo; e vem então o desejo de possuir o carro e ostentar-me com ele. Ou vejo uma nuvem formosa, uma montanha claramente delineada contra o céu, uma folha que acaba de brotar na primavera, um vale profundo, cheio de encantos e esplendor, um glorioso pôr-do-sol, um belo rosto, inteligente, vivo .... Olho essas coisas com intenso deleite e, enquanto as observo, não há observador, porém, tão-só a beleza pura, qual a do amor. Claro que esta eterna verdade se aplica aos demais sentidos da audição, sabor, tacto e olfacto... Por um momento estou ausente com todos os meus problemas, ansiedades e aflições; só existe aquela coisa maravilhosa. Posso olhá-la com alegria e no próximo momento esquecê-la, ou, então, a mente pode interferir erradamente- e aí começa o problema: a minha mente pensa naquilo que viu, ouviu, cheirou, comeu ou tocou e no prazer que dá; digo de mim para mim que gostaria de tornar a senti-lo muitas vezes. O pensamento começa a comparar, a julgar, a dizer: "Quero repetir isso amanhã". A continuidade de uma experiência que por minutos proporcionou deleite é mantida pelo pensamento.
O mesmo sucede em relação ao desejo sexual ou outro. Não há nada de mau no desejo. Reagir é perfeitamente normal. Se me picais com um alfinete, eu reajo, a não ser que esteja paralisado. Mas, se o pensamento fica exageradamente a ruminar aquele deleite e vai desejar repetir a experiência, fica perturbado, tendendo a repeti-la mecanicamente; quanto mais pensais nela, tanto mais força o pensamento confere ao prazer. Desse modo, o pensamento cria e mantém o prazer através do desejo e dá-lhe continuidade; por conseguinte, a reação natural do desejo, ante uma coisa óptima pode ser pervertida pelo pensamento. O pensamento a converte em memória, que é então nutrida pelo pensar repetidamente naquela coisa.
Naturalmente, a memória tem seu lugar próprio, num certo nível. Sem ela, não teríamos possibilidade de atuar na vida de cada dia. Em sua própria esfera, a memória tem de ser proficiente. Mas, memória a mais ou a menos não é bom. A mente que não está tolhida pela memória excessiva nem pela falta dela tem a verdadeira liberdade.
Já notastes que, quando reagis a uma dada coisa totalmente, com todo o coração, quase não fica memória? É só quando não respondeis a um desafio com o vosso médio ser que se apresenta o conflito, a luta exagerados que acarretam prazer que leva à dor. A luta gera memória. Essa memória é continuamente acrescentada por outras memórias, e são essas memórias que reagem. Memória em excesso faz-nos velhos, e por conseguinte, não livres. Liberdade de pensamento é algo que não existe; é puro contra-senso.
O pensamento nunca é novo, porque o pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento. O pensamento, que é velho, torna também velho aquilo que olhastes com deleite e que por um momento sentistes profundamente, do velho vem o prazer que leva à dor; do eterno vem o prazer sem dor. No eterno não existe o tempo.
Assim, se puderdes vivenciar todas as coisas sem permitir a intrusão do tempo - olhar uma rosa, uma ave, a cor de um sari, a beleza de uma extensão de água rutilando ao sol, ou qualquer coisa deleitável; ouvir um fado, um acordeon, um Bethoven; saborear um cozido, um ananás, uma imperial um cacau quente; fundir-vos com o vosso homem, a vossa mulher; cheirar uma rosa, um cravo, um tremoçal... - se puderdes sentir assim, sem desejardes demasiado que a experiência se repita, então não haverá dor, nem medo e, por conseguinte, haverá uma alegria infinita.
É a luta exagerada ou a falta dela para repetir e perpetuar o prazer que o converte em dor. Observai isso em vós mesmos. Pensar e procurar o prazer somente repetindo também produz dor, porque ainda nada nem ninguém é a mesma coisa de ontem. Lutais para alcançar o mesmo deleite não só para o vosso senso estético, mas também para a vossa mente e corpo e ficais magoado e desapontado, porque ele vos é negado.
Já observastes o que acontece quando vos é negado um pequeno prazer? Esquecendo o prazer do descanso? Quando não tendes o que desejais, vos tornais ansiosos, invejosos, rancorosos. Já notastes que quando vos é negado o prazer de fumar ou de beber, o prazer sexual ou outro qualquer - já notastes as lutas que tendes de sustentar? E tudo isso é uma forma de medo, não é verdade? Tendes medo de não obter o que desejais ou de perder o que possuis. Quando uma dada fé ou ideologia que cultivais há muitos anos é abalada ou vos é arrebatada pela lógica da vida, não tendes medo de vos verdes só? Essa crença vos proporcionou durante anos satisfação e prazer, e quando vos é retirada ficais desgovernados(as), vazios, e o medo perdura até achardes outras formas de prazer, outra crença.
Isso me parece muito simples, e, por ser tão simples, não queremos ver a sua simplicidade. Gostamos de complicar tudo. Se vossa esposa ou marido vos abandona, não sentis ciúme? Não sentis raiva? Não odiais o homem que a seduziu? E que é tudo isso senão o medo de perder o que vos dava muito prazer, de perder essa companhia, perder aquela segurança e satisfação conferidas pela posse?"

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