Thursday, 2 April 2009

Religião,dor (e prazer) ...

"... Na tradição bíblica (e até na budista, com o carma: uma boa acção será sempre recompensada e uma acção injusta ou imperfeita será nesta ou noutra vida sempre castigada), a doença e a dor surgem depois de Adão e Eva terem cedido à sedução da serpente... (isto é desobedecido a Deus, terem querido ser como Deus- veja-se Babel – o que faz muito sentido, apesar de a quase revolta contra Deus, mais ou menos assim terá proferido Moisés: «mata-me, Senhor, ou salva este povo!» Lhe poder ser bastante grata!). Na tradição cristã... a dor não é castigo divino infligido aos homens com menos méritos, não é consequência do pecado ou da mácula... a aceitação da dor é uma forma possível de devoção que aproxima de Deus e purifica a alma... O cristianismo afasta-se do orgulho soberano de um Job (o judeu ainda hoje?) que não pára de argumentar, convencido de estar a ser injustamente perseguido...Também se pensava que os sofrimentos dos justos correspondiam a um sinal de eleição. Uma comparação instaurava-se, era feita uma assimilação entre os sofrimentos dos justos e os de Cristo, Virgem Maria e os santos.» Tal ideia está hoje bastante enfraquecida. A dor é agora vivida como um distúrbio que merece desde logo ser aliviado [não esquecer a questão do alívio dos sintoms, da cura das causas e dos efeitos secundários. E, se o Dr. Alfacinha diz que se fizéssemos tudo bem feito íamos até aos 120 anos, porque não dizer que se fizéssemos como Matusalém (logo após a queda de Adão e Eva - Bíblia) íamos até aos mil?]. Como outras religiões do Livro de Job (judaica e muçulmana) o cristianismo adapta-se a condições que se transformam. A modernidade ( e a evolução) impõe aos crentes uma nova interpretação dos textos fundadores, de preferência a uma fidelidade à letra. «As concepções cristãs», escreve Buytendijk, «reconhecem à dor o seu extraordinário significado, enquanto realização da condição humana, mas não se opõem à confiança absoluta na medicina e na higiene, nem na sua ampla técnica de prevenção e de luta contra a dor.»...A dor é, no espírito do Livro de Job, uma prova infligida por Deus que permite o amadurecimento do fiel...De tradição frequentemente católica (mas ultrapassados pelas orientações de Roma)(?), os médicos franceses tiveram durante muito tempo a tendência para prescrever fracas doses de morfina para aliviar a dor crónica ou as dores de fim de vida. Em 1987, a Dinamarca e outros países escandinavos utilizavam, proporcionalmente, 20 vezes mais de morfina. Com o mesmo sentimento da inutilidade e do carácter nefasto da dor, os ingleses criaram o movimento dos hospícios com o fim de aliviar os sofrimentos relacionados com o final da vida e ajudar os moribundos, prescrevendo doses consideravelmente mais elevadas do que as dadas pelos médicos franceses, preservando sempre a lucidez e a personalidade dos doentes. A rainha Vitória foi uma das primeiras, em 1853, a pedir uma anestesia de clorofórmio para trazer ao mundo o seu segundo filho. Renovou a experiência com o terceiro parto, E, isso, apesar da força da palavra cristã: «Darás á luz com a dor» e do carácter experimental da anestesia naquela época. Um outro país protestante, a Holanda, entende legitimar a eutanásia se a doença for implacável, a dor demasiado intensa e mutiladora..."

In Pgs. 84, 92, 93, 96 97, 98 e 99, de "Compreender a Dor", de David Le Breton, da estrelapolar, Cruz Quebrada.

Comentário: não conseguiram ainda Epicuro nem demais hedonistas fazer vingar a ideia não só da total inutilidade da dor, como da necessidade absoluta do triunfo da felicidade, do gozo e do prazer. Mas, à semelhança da cabala, outrora perseguida, e hoje abertamente ensinada, também parece estar chegando a hora do hedonismo (doutrina que atribui ao prazer uma predominância quer de facto quer de direito).

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